sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Kidreportagem - Futebol e Identidade Nacional - A Pátria de Chuteiras?


Olá companheiros, tudo bem? Numa sexta um poquito diferente, venho lhes trazer uma reportagem minha, um trabalho final de semestre. Para todos aqueles que se interessam por futebol e questões de identidade, eu desejo uma boa leitura! E , se gostar ou até mesmo odiar, conto com seus comentários e críticas ao final do post, para continuar sempre melhorando!



A pátria de chuteiras?


Futebol e Brasil caminham juntos desde que Charles Miller voltou da Inglaterra com a novidade. É cultura, é nosso... é mesmo? Sim, claro que sim! O Brasileiro se sente brasileiro por vários motivos, e um dos mais fortes é o futebol.

Por: Rafael Procópio


A crise do futebol brasileiro”... ligue em qualquer canal esportivo na hora do almoço e você, em algum momento, ouvirá se falar disso. A culpa é dos clubes, é dos agentes, do imediatismo de resultados... Sendo de todos ou de nenhum deles a culpa, uma coisa é certa: Nos preocupamos demais com o futebol. E devemos agradecer aos deuses desse esporte por nos preocuparmos demais.


Está em nossa língua, nos nossos dialetos, no nosso dia-a-dia. Afinal, aquele sujeito deu “uma bola fora” ou “está com a bola toda”; ou ainda, depois de realizar um feito, foi “correr para o abraço”. Tal qual um pai se preocupa com um filho, o brasileiro se preocupa com o futebol, pois foi formado por ele, e a ele ajudou a formar. Sim, o futebol ajudou a construir o brasileiro como conhecemos hoje.



O Brasileiro: Volátil como o éter cirúrgico. Vai do céu ao inferno em questão de minutos. Sua relação de amor e ódio vai desde a política até o futebol, e por vezes, esses dois são quase a mesma coisa. É certo que há muitos apaixonados loucamente por tais coisas, que não conseguem ver as nuances e muito menos entender o porquê o outro é azul e não vermelho; tricolor ou alvinegro... Deixando a paixão de lado, pro nosso povo, mesmo que esbanje mundo á fora a imagem de “povo feliz”, tudo está sempre ótimo ou sempre terrível. Esse “coração esquizofrênico tupiniquim” talvez explique, ou seja explicado, pelo futebol, em que tudo pode mudar num toque de bola.

O futebol é intrínseco com o brasileiro, não só como mecanismo de cultura, mas como ferramenta de construção de um sentimento de nação, uma identidade cultural que o aproxima do sentimento propagado no século XIX, onde as grandes porções de terra foram associadas a bandeiras e dialetos.

Num país como nosso, não é muito de se espantar que um esporte inglês seja determinante para todo um povo. Visto com olhos despreparados, fica difícil fazer essa constatação, mas com o leve passar do pente fino da história, vemos que nosso país é muito jovem. Foi colônia, no pior sentido possível, durante quase 300 anos, e virou uma república há pouco mais de 100. Para se criar um sentimento comum, um lugar onde todos se sintam integrantes dessa porção de terra, necessita de muito tempo, para o próprio povo se ver como povo, compartilhando experiências, criando experiências comuns e criando uma cultura própria. 

Por sorte, várias linhas compuseram nossa nação: Indígenas, negros, europeus, orientais...  E toda essa carga cultural nos ajudou a chegar em algum lugar. Não entrando no mérito de como essas etnias vieram parar aqui, mas de certa forma, fomos agraciados pelos céus. Uma riqueza vista em poucos lugares desse planeta vai nos ajudar, e já ajuda, muito nessa questão de busca por identidade. Mas, como Elis Regina disse: “Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.” Como filhos dessa linha, nunca nos esqueceremos de nossos “pais culturais”, mas precisamos caminhar em busca de nós mesmo.

Um pouco de história


Século XX, a jovem república brasileira comemora suas primeiras décadas. Século crucial para o desenvolvimento do país. Época fundamental para o futebol achar sua nova casa. Inclusive, a novidade que veio na bagagem de Charles Miller da Inglaterra aportava por esses mesmos tempos a cá, e democrático como é o esporte (Não no começo, era reservado a elite branca brasileira... Democrático no sentido de : “Só precisamos de uma bola, 4 pedras para marcar o gol e gente disposta a correr daquela bola anteriormente citada”) foi de fácil introdução, depois da “deselitização”.

De pouco em pouco, cresceu Brasil a fora. Fez os primeiros clubes em São Paulo e no Nordeste, principalmente Maranhão, Pernambuco e Bahia. No Rio de Janeiro, os clubes de regatas não foram contrário a novidade, e logo , viraram clubes de futebol. Divertido como só ele, o futebol só crescia, se firmava na boca e nos pés do povo, ferramenta perfeita para alimentar o bairrismo, principalmente no eixo Rio – São Paulo.                                                                     
                                                                                                     Charles Miller, ao centro.

De tão divertido, logo se viu que essa história de futebol estava pegando não só no Brasil e não só na América Latina. O mundo estava lentamente se rendendo a futura paixão, e fico claro á época, que era uma ótima ideia juntar os países para disputar uma partida. Iniciou-se a onde de seleções nacionais. A nossa, fundada em 1914, estreou contra os futuros maiores rivais, os Argentinos. Ganhamos de 2x0, como seleção formada basicamente por cariocas.

O resto, é história de copa: A FIFA surgiu em 30, fez a primeira copa, e de 4 em 4 anos, ela se repetia, até ser interrompida pela Segunda Guerra Mundial. Voltou, e voltou pra cá, onde eu inicio a triste história dessa reportagem.

O Brasil, país carente de heróis nacionais e figuras que elevam a moral e o espírito, se viu acuado quando observou o mundo inteiro crescendo. O imperialismo, as novas tendências... O medo de ser coadjuvante num panorama global foi sendo calado passo a passo, a medida em que o futebol criou daqui sua “casa”. Em todas as ruas, até hoje, vemos crianças jogando suas partidas e até “proto” partidas com materiais improvisados, tudo em prol da diversão. Inclusive, ouse perguntar para as crianças desse país seus sonhos, lhe garanto que , a cada 10, 7 irão dizer: “Jogador de Futebol, tio”.

Num lugar onde o ar é propício a criação de craques do esporte, o mecanismo do futebol fez o Brasil ser visto mundo á fora. A camisa amarelinha impõe respeito ao portador e puxa assunto em qualquer lugar desse planeta. Como disse Marcos Paulo Lima, jornalista esportivo do Correio Braziliense, especialista nesta questão de futebol e identidade:

 “Aqueles títulos, de 58 e 62, a chegada do Pelé... De fato, eles ajudaram a construir uma identidade nacional  e o brasileiro começou a se sentir importante.  Você vai hoje no exterior, só que você tá com uma camisa da seleção brasileira, as pessoas  te olham diferente... ‘’

 E pra não citar apenas o contexto global, as diferenças entre Estados aqui foi fortalecida e muito pelo futebol, criando rivalidades, fortalecendo bairrismo, identidades... Mas também, aproximando-os, num algo maior chamado Brasil.

Aos 45 do segundo tempo...

É claro, nossa cultura é riquíssima, e seria leviano dar esse protagonismo inteiramente ao esporte.  A música, a tradição, as artes... são imprescindíveis na formação do “brasileiro”, tanto para o país quanto para a sua imagem lá fora.

Ser conclusivo sobre futebol e identidade nacional é mais difícil que bater pênalti em final de campeonato, mas uma coisa é certa: Ele é parte nossa, mesmo que você não goste dele. Nossa representatividade cultural aqui e lá fora está arraigada a esse esporte, e não é possível desvincular mais de nós essa que já é uma tradição. Aliás, tentar tirar de nós isso, é mais um  gol da Alemanha.


Agora, uma crônica. 


O ciclo de vida de um cachorro


Um diário jornalístico e romântico sobre as copas de 1950, 1958 e 2014, 3 fases cruciais da famosa expressão de Nelson Rodrigues, o “Complexo de Vira-lata”:


1950, 16 de julho. Um domingo.
Um dia atípico para a cidade do Rio de janeiro. Tal qual alguém triste, com o coração pesado de angústia e preocupação que se deixa levar pela euforia dos amigos que insistem para levá-lo á uma festa, nasceu o dia na cidade maravilhosa. Cinzento, abafado, triste. Esse era o domingo.

Quem liga para as besteiras de nossas intuições? O país estava em festa, afinal, era final da copa do mundo, na nossa casa, a NOSSA copa. O dia que melhore para reluzir em dourado nossa Jules Rimet.

Um sistema até então único de chaveamento foi usado nessa copa, a primeira pós-guerra. Uma mini tabela se dava por pontos entre os 4 finalistas da disputa: Brasil, Suécia, Uruguai e Espanha. Um play-off, se essa reportagem estivesse sendo escrita por um amante de basquete.

Acachapante, destruidor, absoluto foi nosso esquadrão proto-canarinho.  7x1 contra a Suécia, 6x1 contra a Espanha. 4 pontos, contra 3 do Uruguai, que mal passou pelos mesmo adversários que o Brasil. Eles precisavam da vitória... Uma pena que ela já estivesse em posse da nossa seleção. Será?

Maracanã lotado, uma tarde de domingo. Lendas contam que mais de 200 mil estavam angustiados  e enfileirados nas arquibancadas.  Primeiro tempo se segue, segue em festa o povo e seguem inalteradas as redes da meta. Segundo tempo, dois minutos, gol do Brasil. Explode coração, é muita emoção no ar. 21 minutos, um empate. Silêncio, quase ensurdecedor.

 O impossível começa a ser pensando como possibilidade...

Mas será? Não, não pode ser... 34 minutos do segundo tempo, Ghiggia, que nos deixou esse ano, vem pela ponta direita e acerta um tiro no canto do goleiro Barbosa. 2x1, Maracanaço, Uruguai campeão na nossa casa. O Domingo estava certo em ser cinzento. Domingo esse de mortes e vidas: Barbosa, o goleiro, viu sua alma ser pintada de cinza e levou nas costas uma culpa que não era sua até o dia de sua morte, em 2000. Já vidas, uma se iniciou naquele dia, na esquina mais próxima ao mítico estádio. Uma cadela dava cria a um único vira-lata, e um senhor, chamado Nelson Rodrigues, carinhosamente o adotou, e deu a ele o nome de “Complexo”.


1958, 29 de julho.
17 anos, apenas um garoto. Em tão tenra idade, já receberia o maior título que alguém pode receber: o Real. Na Suécia, em 1958, despontava o Rei Pelé. Nas quartas de finais, já tardio para a competição, marca seu primeiro gol em copas do mundo, sendo inclusive, até hoje o mais jovem a ter marcado um gol e disputado esse torneio.

 Das quartas até a final, desencantou e marcou 6 gols; 3 nas semis e 2 na final. Jogos esses que coincidentemente tiveram o mesmo placar: 5x2 a favor da já canarinha seleção.

A final foi contra os suecos, donos da casa, iniciando naquela década uma das muitas freguesias que a seleção brasileira impôs ao decorrer dos anos. Será a maldição dos mandantes? Os donos da casa estão fadados a serem derrotados quando se há muita expectativa? Talvez, mas a Inglaterra de 66 e a Argentina de 78 discordam totalmente da minha questão.

Curiosos casos nos fazem pensar na real importância das figuras públicas de nosso país. Mesmo sendo rei, Pelé errou um chute fundamental, e suas consequências foram mortalmente impactantes para quem a recebeu. Mas, mesmo assim, com tal atrocidade, nenhuma página policial quis noticiar um assassinato naquele domingo de carnaval antecipado: O seu chute que passou longe do gol atingiu e matou aquele nosso cachorrinho vira-lata. 8 anos de vida, tinha lenha pra queimar ainda, mas pra nossa sorte, não queimou. 


2014, 8 de julho
Uma terça feira. Dia sorridente, sol bonito na maioria do país. A seleção brasileira estava preocupada, pois perdera seu capitão Thiago Silva por expulsão no último jogo, contra a Colômbia, e por ter perdido o seu 10, o jovem Neymar, de 22 anos no mesmo jogo. A semifinal que a nossa seleção se encontrava era a primeira desde a conquista do penta, em 2002, ocasião e que a final era jogada contra os seminalistas da vez: Os Alemães.  Jogando em casa, sem o nosso principal jogador e sem o capitão, o roteiro perfeito de uma aventura tal qual a Odisseia se desenhava na cabeça do torcedor brasileiro, era chegada a hora do hexa! Seria sofrido, mais seria nosso.

Não.

Sem ver a cor da bola, uma seleção mentalmente abalada conseguiu dormir com o som das sete vezes que a bola entrou na meta tupiniquim. 7x1. Um sonoro placar que transformou a realidade futebolística brasileira em chacota mundo á fora. Um placar tão audível que subiu ao céus e derrubou a culpa que o já saudoso goleiro Barbosa levou durante a vida inteira, caindo feito meteoro em pleno estádio Mineirão. Um placar tão barulhento, mas tão alto, que ultrapassou as fronteiras do audível para orelhas humanas, e incomodou apenas os cachorros. Inclusive, quem diria, aquela nossa cachorrinha de 58 tinha dado cria antes da morte! E seus descendentes continuavam a rodar pelo país. E uma delas, maldita cadela, resolver dar cria a 7 de uma vez.




Fim :)