quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Katitas Cultural 07: Capitão Nascimento e Sandro Nascimento, dois lados diversos da mesma moeda: A violência.


   Que a violência urbana do Rio de Janeiro é o pano de fundo do documentário ônibus 174 e do longa brasileiro Tropa de Elite, ambos dirigidos por José Padilha, todos sabem. Mas você sabia que os protagonistas de cada filme, Sandro do Nascimento e Capitão Roberto Nascimento, o famoso capitão Nascimento, não dividem o mesmo sobrenome por acaso? Isso mesmo!  


Numa sacada genial de José Padilha, o protagonista de Tropa de Elite foi nomeado com o sobrenome do protagonista de um dos assaltos televisionados mais dramáticos que já ocorreram no Brasil, exatamente com a intenção de mostrar os dois lados da violência urbana, em suas raízes e veias. 


   No documentário sobre o famoso assalto ao ônibus 174, o diretor se propõe a tratar da origem, dos motivos, dos sentimentos, acima de tudo da humanidade de Sandro, em meio a toda a tensão e violência do episódio. A história de Sandro é muito triste. Perdeu sua mãe, assassinada em sua frente, fugiu da casa da tia e tornou-se morador de rua, sobreviveu à famosa Chacina da Candelária, episódio em que policiais assassinaram vários meninos que dormiam sobre a marquise da Igreja da Candelária no Rio de Janeiro. Fora preso diversas vezes, era dependente químico. Violência fazia parte de suas manhãs, tardes e noites. Apesar disso tudo, o documentário mostra que quando o ônibus que Sandro assaltava foi interceptado por policiais e uma situação de reféns se estabeleceu sua intenção era claramente de não matar ninguém. O documentário faz clara crítica à operação policial completamente desastrosa que soma a incompetência da polícia militar e dos governos do estado do Rio de Janeiro e Federal e que foi responsável, como deixa a entender o documentário, pela morte de Geísa Gonçalves no local e do próprio Sandro, morto pelos policiais a caminho da delegacia. 

   Já no filme Tropa de Elite, lançado em 2007 que é o filme nacional de maior repercussão dos últimos anos, Padilha expõe a formação de dois capitães do Batalhão de Operações Especiais, o BOPE. Batalhão inclusive responsável pela operação policial abordada no filme anterior. Neste longa metragem o BOPE é tratado como uma elite incorruptível, bem selecionada e bem treinada da polícia militar do Rio de Janeiro, transformando este batalhão em uma espécie de exército modelo. O filme aborda práticas policiais como tortura e assassinatos num ambiente de guerra contra o tráfico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro, de maneria natural, e às vezes até inevitável, o que leva muitos a dizerem que se trata de uma apologia a estas práticas, imortalizadas na figura do personagem principal, o violento, porém carismático Capitão Nascimento, interpretado magnificamente por Wagner Moura. Este filme se propõe a entender e abordar o lado do policial violento, autoritário, mas incorruptível e leal à sua tropa, que fielmente acredita estar fazendo o que é certo, o que para o filme seria o caso dos policiais do BOPE. 

 Na minha opinião, se trata de um diálogo interior do próprio José Padilha. A naturalidade da crítica à polícia e à ação policial em Ônibus 174 e ao mesmo tempo da completa parcialidade que o diretor se propõe a compreender as razões, as emoções e a história de Sandro são completamente opostas à naturalidade como as práticas policiais violentas e criminosas do Capitão Nascimento são abordadas, também em um contexto que abrange a história, as razões e emoções deste personagem. Dois lados da mesma moeda: a violência urbana. Esse diálogo interno é resolvido no filme seguinte, Tropa de Elite 2: O inimigo agora é outro, onde o heroi do filme não é mais o violento e carismático capitão Nascimento, e sim um deputado que luta pelos direitos humanos  e contra as milícias do Rio de Janeiro, o seu inimigo, que ironicamente se casa com sua ex-mulher e passa a exercer uma figura de referência masculina para se filho. O sucesso profissional, com a promoção à subsecretário de segurança, vem acompanhado do fracasso pessoal do Capitão Nascimento que resultam na tomada de consciência do personagem, que percebe ter sido usado pelo "sistema" como um cão de guarda que faz o trabalho sujo da sociedade em um discurso muito forte, que se inicia com as palavras "A polícia militar do estado do Rio de Janeiro tem que acabar!" e continua dizendo que seu filho havia lhe perguntado porque seu trabalho era matar as pessoas e ele não sabia responder até aquele momento. É nítido como este terceiro filme resolve o conflito interno de Padilha e se põe contrário às práticas violentas e criminosas da polícia, razão pela qual ele chegou inclusive a sofrer uma tentativa de atentado contra sua vida, e depois se mudou para os EUA. 

Confira o discurso: 

                                     

E fica a sugestão para assistir de novo esta trilogia sob esta perspectiva do Kids-Grace Blog! Um grande abraço a todos!